Resumo
A Amazônia está exposta a uma série de riscos, e os seguros sustentáveis podem ajudar na proteção da floresta. Neste contexto, os seguros podem ser adaptados para mitigar riscos sociais, ambientais e climáticos na Amazônia. Através de uma pesquisa descritiva e qualitativa, este artigo identifica diferentes tipos de seguros sustentáveis e traz reflexões sobre seu potencial para mitigar riscos na Amazônia. Os seguros foram divididos em três grupos e analisados sob a ótica de sua aplicação na mitigação de riscos ambientais, sociais e climáticos, e coberturas específicas para atividades produtivas sustentáveis. A utilização destes critérios pode mitigar riscos como incêndios florestais e adaptar seguros para florestas nativas pode auxiliar na restauração ambiental e redução de emissões. Os seguros que apoiam atividades sustentáveis podem proteger a sociedade e o meio ambiente, e as seguradoras, ao incorporarem práticas sustentáveis, podem atuar como agentes de mudança, promovendo o desenvolvimento sustentável na Amazônia.
1. Introdução
É fundamental que as riquezas naturais da Amazônia sejam utilizadas de forma sustentável, respeitando o vasto conhecimento acumulado pelas populações tradicionais, que possuem um entendimento profundo sobre o manejo do ambiente tropical úmido. Essa riqueza precisa ser aproveitada de maneira mais eficiente e se faz necessário buscar formas de conciliar o desenvolvimento econômico com a preservação dos recursos naturais e a promoção da inclusão social (BECKER, 2005).
De acordo com Val (2014), os nove países que compõem a região amazônica compartilham uma ampla gama de características intrínsecas ao vasto bioma, incluindo sua notável diversidade ambiental e biológica, riqueza mineral, influências religiosas, aspectos culturais diversos, as comunidades ribeirinhas e suas crenças e tradições folclóricas, entre outros elementos significativos. A importância ecológica da Amazônia transcende as fronteiras nacionais, impactando diretamente a saúde, a economia e o bem-estar das pessoas no nosso planeta.
No entanto, a floresta amazônica brasileira enfrenta uma séria ameaça devido a uma série de riscos preocupantes. O desmatamento, a degradação da floresta, a grilagem de terras, a expansão da agricultura de grande escala e da pecuária, a mineração, a poluição, os incêndios florestais descontrolados e as mudanças climáticas representam alguns dos principais desafios que este ecossistema singular enfrenta (GOMES, 2012).
Para que a destruição da floresta cesse, é essencial que ela tenha valor econômico competitivo em relação à extração de madeira, à pecuária e à agricultura, e mesmo com progressos significativos na sua preservação, ainda é vital assegurar a sustentabilidade da floresta (BECKER, 2005). Além disso, é preciso dispor de mecanismos e instrumentos que possam oferecer proteção para os riscos remanescentes, e proteção para iniciativas e empreendimentos que buscam se desenvolver no bioma de forma sustentável.
Neste contexto, é imperativo adotar medidas concretas para proteger e preservar a Amazônia no Brasil. Uma abordagem que precisa ganhar mais destaque é a inserção do setor de seguros brasileiro nesta agenda de preservação e uso sustentável da Amazônia no Brasil. Para alcançar esses objetivos, o setor pode adotar o conceito de seguro sustentável, uma abordagem estratégica que envolve a realização de todas as atividades da cadeia de valor do seguro de maneira responsável e proativa (UNEP FI, 2012). O foco está em como as seguradoras podem adaptar suas práticas para promover a sustentabilidade ambiental, social e econômica através de toda a cadeia de valor do seguro (STRICKER et al., 2022).
Isso inclui a identificação, avaliação, gestão e monitoramento dos riscos e oportunidades relacionados a questões ambientais, sociais e climáticas, visando minimizar riscos, desenvolver soluções inovadoras, aprimorar o desempenho empresarial e contribuir para a sustentabilidade ambiental, social e econômica (UNEP FI, 2012). Os seguros sustentáveis são apenas um componente de uma estratégia mais ampla de sustentabilidade que permeia toda a cadeia de valor do setor de seguros, no entanto, este conceito é fundamental para a transformação do setor de seguros em direção a um modelo de negócios que não apenas gere valor econômico, mas também promova a sustentabilidade ambiental, social e econômica (PUGNETT et al., 2022).
Assim, um dos pilares para a gestão sustentável da biodiversidade em geral, incluindo a Amazônia, pode ser a integração de seguros sustentáveis como ferramentas estratégicas para mitigar os riscos associados a eventos ambientais, sociais e climáticos na região, permitindo proteger a biodiversidade e garantir seu desenvolvimento sustentável (KOUSKY, 2022). Este artigo explora como os seguros sustentáveis podem contribuir, juntamente com as relevantes iniciativas já existentes na região executadas por diversos atores da sociedade, para a proteção da Amazônia, prevenindo ou reduzindo os impactos adversos das ameaças que pairam sobre esse ecossistema vital.
2. Método de pesquisa
Para abordar a complexa interseção entre seguros sustentáveis e a Amazônia, esta pesquisa adotou uma abordagem metodológica que combina elementos da pesquisa descritiva, exploratória e qualitativa. Essa estratégia de pesquisa visa aprofundar nossa compreensão sobre o contexto dos riscos que ameaçam a floresta amazônica brasileira e sobre como os seguros sustentáveis podem desempenhar um papel fundamental na gestão destes riscos, na proteção da floresta, das comunidades e na promoção da economia local na região da Amazônia brasileira.
De acordo com Gil (2008, p. 27), a pesquisa exploratória “têm como principal finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias, tendo em vista a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores”. Optou-se por desenvolver uma revisão da literatura por meio de um levantamento bibliográfico e documental de produções científicas de interesse para proporcionar uma visão geral (GIL, 2008) acerca dos desafios da gestão sustentável na floresta amazônica brasileira sob a perspectiva do conceito de seguros sustentáveis, para então apresentar os resultados da pesquisa e promover uma discussão sobre o papel dos seguros sustentáveis neste contexto.
3. Referencial teórico
3.1. Vulnerabilidade da Amazônia
A Amazônia deixou de ser apenas uma fronteira para a expansão de forças externas, e se tornou uma região com uma estrutura produtiva própria, abrigando diversos projetos conduzidos por diferentes atores (BECKER, 2005), além de ser considerada uma região de alta riqueza mineral e detentora de um enorme patrimônio genético vinculado à biodiversidade (ARAÚJO; VIEIRA, 2019). No entanto, nos últimos cinco anos, o Brasil perdeu aproximadamente 8.558.237 hectares de vegetação nativa, sendo que em 2023 somente na Amazônia foram desmatados 454.271 hectares de floresta (MAPBIOMAS, 2024).
Os três maiores vetores de pressão que causaram desmatamento e a degradação da floresta entre 2019 e 2023 foram as atividades agropecuárias, atividades de garimpo e expansões urbanas, e além destes os eventos climáticos extremos também foram identificados como um vetor de desmatamento, incluindo fenômenos climáticos como deslizamentos, enchentes e ventos fortes (MAPBIOMAS, 2024). O crescimento do cultivo de soja na região é uma ameaça ao bioma, visto que, traz consigo investimentos em infraestrutura, como hidrovias, ferrovias e rodovias, que também são vetores de desmatamento (FEARNSIDE, 2022).
Estratégias de proteção da Amazônia, como a gestão de Unidades de Conservação (UCs) que passou por uma estruturação importante a partir da criação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc) em 2000, ajudam na implementação de práticas sustentáveis na região (ARAÚJO; VIEIRA, 2019). A proteção territorial é uma das políticas de conservação ambiental mais amplamente adotadas globalmente, inclusive no Brasil, sendo que mais da metade da Floresta Amazônica brasileira está protegida por unidades de conservação ou terras indígenas (CLIMATE POLICY INITIATIVE, 2021). A política de concessão florestal de políticas públicas de 2006 é outro exemplo de ferramenta para proteção de florestas na Amazônia, prevendo técnicas de manejo sustentável de florestas públicas sob a administração de concessionários que pagam à União uma remuneração em troca da exploração sustentável de produtos madeireiros e não madeireiros nestas áreas, funcionamento como um importante instrumento econômico que valoriza e protege a floresta em pé (RODRIGUES et al., 2020).
No entanto, as unidades de conservação permanecem atualmente vulneráveis a eventos de desmatamento no Brasil, e em 2023 foram desmatados 96.761 hectares de vegetação nativa dentro destas áreas de proteção ambiental, e a Amazônia teve 34.195 hectares desmatados dentro de unidades de conservação localizadas no bioma (MAPBIOMAS, 2024). Além disso, a atividade de exploração madeireira é frequentemente identificada como uma atividade que impulsiona o desmatamento na Amazônia, estando estreitamente associada ao avanço da fronteira agrícola, pois a venda de madeira é utilizada para financiar a expansão das atividades agropecuárias na região (BRANCO et al., 2023).
O desmatamento na Amazônia causa impactos profundos também do ponto de vista social como, por exemplo, ameaçando e forçando o deslocamento de populações tradicionais, especialmente os povos indígenas (ARAÚJO; VIEIRA, 2019). Proteger a vegetação nativa da Amazônia é um desafio significativo devido à sua vasta extensão e diversidade. Isso exige políticas públicas coordenadas entre diferentes áreas e níveis governamentais, baseadas em evidências e apoiadas por tecnologia e conhecimento técnico (CLIMATE POLICY INITIATIVE, 2021).
Os impactos ambientais do desmatamento podem incluir a perda de qualidade dos solos na região amazônica, com eventos de erosão, compactação de solos e redução de nutrientes. Ocorrem também mudanças no regime das águas na região, e as chuvas que caem sobre áreas desmatadas começa a correr de forma mais veloz pela superfície do solo sem vegetação causando cheias nos rios, por exemplo. Além disso, quando o desmatamento está relacionado a incêndios florestais tem-se um cenário de grandes emissões de gases de efeito estufa para a atmosfera (FEARNSIDE, 2022).
Diante desse cenário desafiador, a proteção da Amazônia exige uma abordagem multifacetada que combine a conservação ambiental com o desenvolvimento sustentável. A implementação efetiva de políticas públicas, como o fortalecimento das Unidades de Conservação e a fiscalização rigorosa das atividades econômicas, é crucial para mitigar o desmatamento e promover a restauração florestal. Além disso, é essencial envolver as comunidades locais na gestão e proteção dos recursos naturais, reconhecendo seu papel vital na preservação da biodiversidade. Somente por meio de um esforço coordenado e integrado entre governos, sociedade civil e setor privado será possível assegurar um futuro sustentável para a Amazônia, garantindo a conservação de seu vasto patrimônio natural e a melhoria da qualidade de vida de seus habitantes, e o setor de seguros brasileiro precisa participar ativamente desta agenda.
3.2 Seguros Sustentáveis
Para que um contrato de seguro seja eficaz, é indispensável que o interesse segurado esteja exposto a um risco, possibilitando sua cobertura (POLIDO, 2007). Além disso, a relevância dos seguros e seu funcionamento adequado não afeta apenas certos indivíduos ou os participantes dos contratos de seguro, mas também exerce um impacto significativo em grupos mais amplos de pessoas (TZIRULNIK, 2015). E no Brasil, os seguros em geral ainda têm um vasto potencial de crescimento e estão longe de terem atingido sua plena maturidade (POLIDO, 2014).
Já a complexa relação entre as atividades humanas e o meio ambiente tem se tornado uma das maiores preocupações, de âmbito global, com importantes repercussões políticas, legais e econômicas, envolvendo a sociedade como um todo (POLIDO, 2005). Neste contexto, o setor de seguros está cada vez mais pressionado a se alinhar com as metas de sustentabilidade devido aos impactos das mudanças climáticas e às expectativas de reguladores e consumidores. As seguradoras podem adotar práticas sustentáveis em diversos compartimentos de seus negócios, como subscrição, gestão de riscos, desenvolvimento de produtos e serviços e regulação de sinistros (STRICKER et al., 2022).
A adoção de práticas sustentáveis por parte das seguradoras envolve revisões profundas nos produtos existentes, apetite ao risco e processos operacionais para apoiar objetivos de sustentabilidade, em direção à criação de seguros sustentáveis (PUGNETTI et al., 2022). Por exemplo, Stricker et al. (2022) citam diversos tipos de seguros sustentáveis como seguros para mobilidade verde, para construções sustentáveis, seguros que reconhecem comportamentos sustentáveis de segurados, e serviços embutidos em seguros que promovem comportamentos sustentáveis dos seguros.
Pugnetti et al. (2022) definem, por exemplo, algumas tipologias de seguros sustentáveis: (a) objeto segurado: quando o seguro cobre a produção ou o uso de produtos sustentáveis; (b) diferenciação no prêmio: o preço que se paga pelo seguro é diferenciado quando o objeto segurado ou o comportamento do segurado é reconhecido como sustentável; (c) propósito temático do produto de seguro: seguros feitos para tecnologias verdes ou atividades que promovam a redução de emissões de gases de efeito estufa; (d) abordagem de subscrição: a subscrição exclui práticas insustentáveis ou atividades de alto impacto socioambiental negativo.
Ao oferecer cobertura para itens ou atividades sustentáveis, as seguradoras podem adaptar suas apólices e serviços para atender a necessidades específicas de sustentabilidade, como incluir baterias e cabos de carregamento de veículos elétricos ou estações de recarga em seguros automotivos. Além disso, podem ajustar as tarifas tornar os seguros sustentáveis mais atraentes em comparação com os convencionais, como oferecer um seguro residencial com energia solar a um custo menor do que sem essa tecnologia. Dessa forma, tanto as coberturas quanto os prêmios de seguro tornam-se ferramentas eficazes para incentivar comportamentos e escolhas sustentáveis (STRICKER et al., 2022).
O mercado de seguros tem como principal função compreender, gerenciar e assumir riscos. Através da prevenção, redução e compartilhamento de riscos, ele protege a sociedade, impulsiona a inovação e apoia o desenvolvimento econômico. Em um mundo enfrentando desafios ambientais, sociais e climáticos crescentes, é crucial para o setor de seguros ajustar sua gestão de riscos para incluir fatores ambientais, sociais e climáticos. Isso deve ocorrer em todas as áreas do negócio, com destaque para o processo de subscrição de riscos e para a identificação de oportunidades de negócios sustentáveis (UNEP FI, 2012).
A integração de práticas sustentáveis no setor de seguros não apenas protege os interesses individuais e coletivos, mas também desempenha um papel fundamental na promoção de uma economia mais verde e resiliente. Ao adaptar seus produtos e processos para incluir considerações ambientais, sociais e climáticas, as seguradoras podem incentivar comportamentos sustentáveis e reduzir os riscos associados às mudanças climáticas e à degradação ambiental. Esse alinhamento com metas de sustentabilidade não só atende às expectativas de reguladores e consumidores, mas também posiciona o setor de seguros como um catalisador de inovação e desenvolvimento sustentável.
4. Resultados e discussão
4.1 Seguros Sustentáveis com foco na proteção da Amazônia
O seguro possui um claro papel social e à medida que uma sociedade se desenvolve, o setor de seguros deve crescer na mesma proporção. No contexto do desenvolvimento brasileiro, o mercado de seguros deve não apenas acompanhar esse progresso, mas também se antecipar a ele (POLIDO, 2014). E com a crescente preocupação com a sustentabilidade e a necessária adoção de medidas para uma proteção da Amazônia, o setor de seguros deve procurar a implementação de ações para acompanhar o desenvolvimento sustentável, alinhando suas estratégias para contribuir efetivamente não somente com foco no lucro, mas também com foco em impactos positivos relacionados a temas ambientais, sociais e climáticos inerentes à evolução da sociedade.
Os seguros são ferramentas essenciais que oferecem uma série de benefícios e serviços fundamentais. Eles facilitam a transferência ou compartilhamento de riscos, garantindo uma provisão econômica para lidar com eles e limitando os danos resultantes de sua materialização. Além disso, os seguros desempenham um papel crucial na limitação dos riscos ao estabelecer mecanismos e promover condutas de segurança impostas pelas seguradoras aos segurados ou adotadas por elas mesmas (SAN MIGUEL et al., 2015).
No contexto da proteção da Amazônia e dos desafios enfrentados em termos de sustentabilidade e riscos que ameaçam a região, os seguros se tornam instrumentos ainda mais importantes. Eles podem ser utilizados para mitigar os riscos associados à exploração econômica da região, promovendo práticas sustentáveis e oferecendo recursos financeiros para lidar com eventuais danos ambientais.
Os seguros sustentáveis têm função relevante nesta agenda, e podem ser trabalhados em todos os compartimentos do setor de seguros, e nós destacamos dois deles aqui: subscrição e desenvolvimento de produtos e serviços. A existência de seguros sustentáveis não é totalmente nova (STRICKER et al., 2022), no entanto acreditamos que os seguros sustentáveis com foco nos riscos e nas necessidades da Amazônia são pouco explorados e precisam ganhar destaque para aumentar as forças que se unem para proteção do bioma e da região. Os seguros podem ser usados como uma ferramenta eficaz para mitigar ou prevenir os riscos aos quais a Amazônia está exposta.
Consideramos que os seguros sustentáveis podem ser divididos em três grupos. O primeiro é composto pelos seguros sustentáveis que são aqueles cujo processo de subscrição incluir critérios ESG e utiliza estes critérios para aceitar ou não um risco. O segundo grupo envolve os seguros sustentáveis que ofertam coberturas ou serviços que podem proteger patrimônios, a natureza ou pessoas contra riscos sociais, ambientais ou climáticos, além de outros riscos tradicionalmente já cobertos pelos seguros já existentes. O terceiro e último grupo é onde se encontram os seguros sustentáveis cujo foco de comercialização e aplicação é exclusivo para as chamadas atividades produtivas sustentáveis. A seguir estão dispostas as possíveis aplicações de cada um deles no contexto dos esforços para proteção da Amazônia.
4.1.1 Primeiro grupo de seguros sustentáveis
O primeiro grupo é composto pelos seguros sustentáveis que são aqueles cujo processo de subscrição inclui critérios ambientais, sociais e climáticos e utiliza esses critérios para aceitar ou rejeitar um risco. A subscrição é o processo decisório utilizado por seguradoras para avaliação de riscos e tomada de decisão sobre a aceitação ou recusa de uma apólice de seguros (KOUSKY, 2022). O setor privado e as instituições financeiras têm um papel crucial em evitar a comercialização e o financiamento de produtos originados de áreas desmatadas ilegalmente (MAPBIOMAS, 2024) e ao nosso ver as seguradoras também precisam desempenhar este papel. Dentre as diversas atividades que colocam a Amazônia sob risco podemos destacar três delas para refletir sobre a importância desta modalidade de seguro sustentável para proteção da Amazônia.
A exploração madeireira realizada na Amazônia é um primeiro exemplo, visto que, é um importante vetor de desmatamento (FEARNSIDE, 2020) além de ser um fator que contribui para aumentar os riscos de incêndios na região (FEARNSIDE, 2021; BRANCO et al., 2023). O desmatamento permite a viabilização da atividade madeireira que se aproveitam das atividades que promovem a abertura das áreas verdes, em geral pecuária e agricultura, para coletar a madeira e comercializá-la, em geral de forma ilegal (GOMES et al., 2012). A extração de madeira aumenta a inflamabilidade da floresta, causando queimadas que geram um ciclo vicioso de mortalidade de árvores, aumento de combustível e recorrência de incêndios, levando à destruição total da floresta (FEARNSIDE, 2022).
Para empresas do setor madeireiro em geral, as seguradoras poderiam implementar uma política de subscrição de seguros sustentáveis. O diferencial seria um processo de subscrição de risco que utilizasse critérios adicionais aos tradicionais, exigindo, por exemplo, que madeireiras e transportadores de madeira comprovem a origem legal da madeira, sua rastreabilidade, de qual bioma ou região do país veio e a regularidade de suas operações quanto ao licenciamento ambiental. O não cumprimento destas medidas seria um motivo de negativa de emissão de uma apólice de ramos como seguro patrimonial e seguro de transporte por parte das seguradoras.
Além disso, as seguradoras podem limitar a cobertura de empresas de determinados setores econômicos para promover objetivos de preservação da natureza, mesmo que essas entidades não apresentem um risco elevado para a seguradora (KOUSKY, 2022). Neste sentido, por exemplo, as seguradoras no Brasil poderiam criar regras de subscrição excluindo setores econômicos cujas atividades podem causar impactos socioambientais negativos para a Amazônia, com destaque para o desmatamento, como as próprias madeireiras, mas também atividades de mineração, transporte de madeira, exploração de petróleo ou projetos de infraestrutura como a pavimentação de rodovias na região.
Por outro lado, Kousky (2022) insere na discussão dos seguros sustentáveis uma outra opção alternativa ou complementar à de negar cobertura, onde as seguradoras poderiam exigir que elas fizessem exigências técnicas para aceitação do risco que causassem mudanças significativas nas operações do cliente para reduzir seu impacto socioambiental negativo. Sob essa perspectiva as seguradoras poderiam ser atores importantes como fiscalizadoras adicionais em complemento ao papel dos órgãos públicos competentes.
Essas abordagens desestimulariam negócios e atividades empresariais que utilizam madeira proveniente de desmatamento ilegal, promovendo práticas mais responsáveis e sustentáveis no setor, visto que, a falta de um seguro como, por exemplo, o seguro patrimonial, pode inviabilizar uma atividade econômica, em razão dos altos riscos tradicionais que as operações estão expostas, como incêndios, quebra de máquinas, dentre outros.
O segundo exemplo envolve projetos de infraestruturas, dentro dos quais destacamos os projetos de construção e pavimentação de rodovias dentro da Amazônia. Segundo Gomes et al. (2012) as obras de infraestrutura figuram como uma das principais forças predatórias que levam ao desmatamento se forem feitas sem planejamento adequado. De acordo com Tzirulnik (2015), a realização de obras de infraestrutura complexas, que demandam significativo investimento de recursos públicos e privados, depende da existência de instrumentos de garantia apropriados, como os seguros.
Assim, as seguradoras podem realizar uma avaliação detalhada dos riscos ambientais e sociais associados a projetos de infraestrutura na Amazônia, considerando fatores como desmatamento, perda de biodiversidade, impactos sobre comunidades indígenas e mudanças climáticas. A construção de estradas, que envolve o processo de abertura e posterior pavimentação, está vinculado a um processo paralelo que leva ao uso insustentável do solo na sua região de influência, e o desmatamento passa a ocorrer nas margens da rodovia ao longo de seu ciclo de operação (GOMES et al., 2012). Portanto, para que as seguradoras aceitem fazer seguros para obras de infraestrutura como estradas dentro da Amazônia elas devem ter especial cautela, para evitar que o seguro, essencial para o desenvolvimento das obras, seja um componente de pressão negativa sobre a biodiversidade da região.
Já o terceiro exemplo envolve as atividades agropecuárias, incluindo atividades de agricultura e criação de gado. Neste caso, seguradoras que operam com os seguros agrícolas e pecuário devem estar atentas a propostas de seguro que estejam localizadas no bioma amazônico e ao risco de desmatamento atrelado a estas atividades. A expansão da pecuária no brasil está intimamente ligada ao avanço sobre a floresta nativa na Amazônia (GOMES et al., 2012) e esta correlação precisa estar claramente integrada nas decisões de subscrição de seguros pecuários pelas seguradoras, visto que, sabendo disso, podem adotar medidas como, por exemplo, negar cobertura para proponentes que queiram apólices e que estejam nestas áreas de alto risco de atividades desmatadoras.
Para os seguros agrícolas, deve-se ter o mesmo pensamento em termos de gestão de riscos para prevenir o uso desta modalidade de seguro por atividades agrícolas que causem desmatamento. Gomes et al. (2012) registram que a expansão das áreas de plantio de soja pressiona as atividades de pecuária a avançarem sobre áreas de florestas, portanto, novas áreas de soja podem significar impactos indiretos em áreas florestais desmatadas pela pecuária para exercício da atividade de criação de gado. Entre a safra 2007/2008 e a safra 2021/2022 a área de soja cultivada no bioma Amazônico cresceu em 5 milhões de hectares (FAVERIN, 2023). Portanto, o cultivo da soja tem papel relevante no cenário de perda florestal na Amazônia e precisa ser adequadamente considerado pelas seguradoras na subscrição dos seguros agrícolas.
Assim, as políticas de subscrição de seguros agrícolas podem funcionar como barreiras para oferta de seguros agrícolas para atividades desmatadoras. As análises de riscos das seguradoras podem considerar o uso de ferramentas de sensoriamento remoto como o MapBiomas, e podem definir munícipios de alto risco para o desmatamento como camadas de análise visando interromper a oferta de seguros para potenciais atividades relacionadas ao desmatamento. Além disso, a análise de histórico da área de plantio também é importante, para identificar as ocupações anteriores da gleba a ser segurada, visando constatar registros de desmatamento vinculados às atividades pecuárias que ocupavam a área anteriormente.
Por exemplo, um dos mecanismos para combate ao desmatamento na Amazônia foi a criação dos municípios prioritários, que são aqueles com histórico de grandes perdas florestais e onde os órgãos de fiscalização concentram esforços para combater as práticas ilegais de supressão da vegetação nativa (CLIMATE POLICY INITIATIVE, 2021). Com essa informação as seguradoras podem criar alertas internos para solicitações de seguros agrícolas e pecuários nestes municípios e aprofundar os processos de análise de riscos de desmatamento para esses pedidos.
Por meio da adoção de critérios ambientais e sociais em suas políticas de subscrição, as seguradoras podem estabelecer diretrizes mais rígidas para a aceitação de riscos relacionados a projetos na Amazônia. Apenas projetos ou atividades que atendam a certos padrões de sustentabilidade serão passíveis de serem segurados, desencorajando práticas prejudiciais ao meio ambiente. Ao negar a subscrição de projetos que representem altos riscos socioambientais, as seguradoras enviam um sinal claro ao mercado de que a sustentabilidade é uma prioridade.
As seguradoras podem adotar soluções de monitoramento do desmatamento e da degradação florestal por meio de imagens de satélite como ferramentas a serem integradas aos seus processos de subscrição tradicionais. As ferramentas de sensoriamento remoto ajudam na eficácia da fiscalização da integridade da Amazônia e contribuem para ações efetivas de conservação da biodiversidade e de proteção das populações tradicionais (ARAÚJO; VIEIRA, 2019). Diversas instituições financeiras já utilizam os dados do MapBiomas Alerta para analisar propostas de crédito rural, garantindo que não financiem a produção em áreas desmatadas (MAPBIOMAS, 2024), e este é um exemplo que deve ser seguido pelas seguradoras que atuam no Brasil, inclusive pelas seguradoras que operam com o seguro rural. Isso pode incentivar o desenvolvimento de atividades e projetos mais responsáveis e sustentáveis na região, alinhando os interesses econômicos com a conservação ambiental, sendo que as seguradoras podem colaborar com organizações ambientais, governos locais e outras partes interessadas para desenvolver abordagens integradas para a gestão de riscos socioambientais em projetos na Amazônia.
4.1.2 Segundo grupo de seguros sustentáveis
O segundo grupo inclui seguros sustentáveis que oferecem coberturas ou serviços destinados a proteger patrimônios, a natureza ou pessoas contra riscos sociais, ambientais ou climáticos, além dos riscos tradicionalmente cobertos pelos seguros existentes. Os sistemas naturais podem ser danificados por eventos climáticos extremos e precisam ser reparados (KOUSKY, 2022), e os seguros tradicionais que cobrem riscos climáticos como vendavais, secas e granizo poderiam ser direcionados para a proteção da Amazônia.
Por exemplo, a seca de 2023 na Amazônia é um reflexo da crise climática, e a previsão é de que esse fenômeno se intensifique, tanto em termos de duração quanto na frequência e severidade de eventos similares no futuro (SILVA; FEARNSIDE, 2023). Neste episódio a existência de seguros sustentáveis que cobrissem o risco de seca e com foco em comunidades altamente vulneráveis na região, como pescadores e ribeirinhos, poderiam tornar o impacto econômico e social negativos deste evento climático mais ameno.
Assim, as seguradoras poderiam criar seguros para lucros cessantes, que pudessem ser ofertados para pessoas ou associações de pescadores ou ribeirinhos, visando proteger toda a coletividade em face dos riscos climáticos que podem afetar sua subsistência. Seria um produto de seguro para a perda de receita incorrida por pescadores ou ribeiros e gerados pela impossibilidade da pesca em razão de riscos climáticos como secas ou eventos de poluição que comprometam a pesca e impeçam a sua subsistência. Neste contexto, as seguradoras poderiam trabalhar em conjunto com governos e organizações não governamentais para subsidiar os prêmios de seguro, tornando-os acessíveis para as comunidades ribeirinhas de baixa renda, por exemplo.
Este mesmo episódio de seca causou diversos impactos negativos na biodiversidade da Amazônia, incluindo a morte de botos e de peixes, em razão das altas temperaturas que as águas chegaram (SILVA; FEARNSIDE, 2023). Os seguros contra a seca poderiam prever serviços de atendimento emergencial para tais situações, estruturando futuros planos emergenciais que prevejam a criação de refúgios aquáticos e a translocação temporária de animais visando resguardar a sua integridade física até a situação crítica passar. As seguradoras poderiam desenvolver esses planos em parceria com o Ibama, órgãos ambientais locais e organizações não governamentais.
Essa colaboração garantiria que os planos fossem bem fundamentados cientificamente e operacionalmente viáveis. Além disso, o seguro poderia ser contratado pelo poder público, resultando em uma abordagem mais abrangente e eficaz para a proteção da biodiversidade amazônica em situações de riscos climáticos. Ao nosso ver essa atuação engajada do setor de seguros na agenda dos seguros sustentáveis é urgente, visto que, conforme citado por Silva e Fearnside (2023), a previsão é que eventos climáticos extremos se intensifiquem, tanto em termos de duração quanto em frequência e severidade, e esses eventos têm impactos devastadores na biodiversidade, nos recursos hídricos e nas comunidades locais. Portanto, é importante e urgente que medidas de mitigação e adaptação sejam implementadas para enfrentar esses desafios iminentes com a participação ativa do setor de seguros no Brasil.
Outro aspecto relevante no contexto deste segundo grupo de seguros sustentáveis é o risco de incêndio. Segundo Fearnside (2021) as secas podem ser consideradas fatores indutores relevantes na facilitação de condições propícias para incêndios florestais na Amazônia, com ou sem exploração madeireira associada, além de contribuírem para a degradação da floresta em razão da falta de água. Assim, considerando a vulnerabilidade de unidades de conservação existentes na Amazônia a episódios de secas, há uma grande oportunidade para as seguradoras atuarem no desenvolvimento de um seguro de floresta focado na proteção dessas áreas verdes, com coberturas para garantir a restauração florestal após danos serem constatados em razão de eventos de seca ou incêndio, por exemplo.
O seguro de floresta tradicional existe no mercado de seguros brasileiro, no entanto ele é restrito para florestas plantadas como florestas de pinus e eucalipto. Este seguro é uma apólice importante para atividades florestais, ofertando cobertura para reembolso de gastos do segurado gerados por danos causados aos ativos florestais por eventos cobertos pela apólice, que podem incluir eventos como incêndio, seca, vendaval, dentre outros, inclusive catástrofes naturais (SILVA, 2021; SUSEP, 2022; DINIZ et al., 2023).
Ao nosso ver, as florestas nativas existentes dentro das unidades de conservação da Amazônia poderiam ser altamente beneficiadas se as seguradoras, em conjunto com órgãos governamentais e entidades da sociedade civil, pudessem adaptar este seguro de floresta tradicional para uma modalidade de seguro para florestas nativas e protegidas. Por exemplo, o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), órgão ambiental brasileiro responsável por propor, implantar, gerir e proteger as unidades de conservação federais, poderia ser o segurado nestas apólices, sendo que eventos de incêndio ou seca, além de outros desastres naturais, nestas áreas poderiam ter os danos consequentes amparados por uma apólice de seguro de florestas nativas inovadora.
A degradação da floresta em razão de eventos como seca ou incêndio aumenta muito as emissões de gases de efeito estufa na Amazônia (FEARNSIDE, 2021), e apólices de seguros para proteger florestas nativas poderiam prever, inclusive, serviços associados de prevenção a riscos de incêndio, por exemplo. Em caso de ocorrência dos eventos cobertos pela apólice, a restauração florestal promovida por meio das indenizações de um sinistro poderia, inclusive, contribuir para reduzir os impactos negativos sobre a biodiversidade e sobre a captura de carbono inerente ao crescimento das novas mudas a serem plantadas.
Uma outra oportunidade para aplicação dos seguros sustentáveis está na concessão de florestas públicas. A concessão permite intensificar a adoção de técnicas de manejo florestal sustentável visando manter a floresta em pé, e a sua capacidade de ofertar produtos florestais madeireiros e não madeireiros, prevenindo riscos de ocupação desordenada e de exploração ilegal destas florestas (RODRIGUES et al., 2020).
4.1.3 Terceiro grupo de seguros sustentáveis
O terceiro e último grupo é onde se encontram os seguros sustentáveis cujo foco de comercialização e aplicação é exclusivo para as chamadas atividades produtivas sustentáveis e para comunidades e grupos sociais vulneráveis existentes na Amazônia. As atividades econômicas na Amazônia concentram-se principalmente na extração de bens de consumo, como madeira, minerais, produtos agrícolas, criação de gado e produtos não madeireiros, como borracha natural e castanha (FEARNSIDE, 2022). Atividades produtivas sustentáveis são atividades econômicas que oferecem alternativas que conciliam a conservação da floresta, o uso responsável da biodiversidade, a criação de empregos, a geração de renda e a promoção da justiça social. Exemplos dessas práticas incluem sistemas agroflorestais, gestão comunitária e familiar de florestas, pesca e aquicultura sustentáveis, e pecuária responsável (GOMES et al., 2012).
Os sistemas agroflorestais ou cultivos consorciados que incorporam espécies arbóreas são, em muitos aspectos, superiores às culturas anuais ou pastagens (FEARNSIDE, 2022) e podem servir como mecanismos de recuperação de áreas desmatadas ou degradadas no bioma amazônico (GOMES et al., 2012). Outras atividades produtivas sustentáveis no contexto da Amazônia são o manejo florestal comunitário e familiar (madeireiro e não madeireiro), as atividades de pesca e aquicultura e pecuária sustentável (GOMES et al., 2012).
Estas atividades podem ser estimuladas e impulsionadas pelos chamados Arranjos Produtivos Locais (APL). Gomes et al. (2012) descrevem os APLs como concentrações de atividades empresariais situadas em uma mesma região, que realizam atividades econômicas focadas em uma especialização produtiva. Esses arranjos produtivos locais englobam produtores, fornecedores de equipamentos e insumos, prestadores de serviços, agentes de comercialização e cooperativas. Assim, os APLs baseados em atividades produtivas sustentáveis podem ser uma grande oportunidade para as seguradoras trabalharem e implementares soluções de seguros sustentáveis.
Criar seguros específicos para cultivos agroflorestais e práticas agrícolas que promovem a conservação ambiental é uma dessas possibilidades, com coberturas para perdas devido a desastres naturais, pragas ou doenças, incentivando métodos de produção sustentável, e com preços acessíveis para os participantes do APL. A produção extrativista também pode ser estudada pelas seguradoras, com a criação de seguros para atividades como a coleta de borracha e castanha, protegendo os produtores contra a perda de renda devido a eventos adversos, além da possível oferta de outras modalidades de seguros, incluindo seguros de vida para as comunidades tradicionais e agricultores familiares da região. A abordagem de microsseguros neste contexto ganha importância, visto que, são produtos de seguros que podem ser mais acessíveis para pequenos produtores e comunidades tradicionais, garantindo que todos tenham acesso à proteção financeira.
Em termos de ocupação humana do território na Amazônia existem os grupos sociais caracterizados por aqueles que ocupam e moram em terras indígenas, territórios quilombolas, unidades de conservação e assentamentos, além das populações tradicionais e agricultores familiares que residem e vivem na região (GOMES et al., 2012). Ao nosso ver, essas populações precisam ser mais bem estudadas pelas seguradoras, visto que, muitas delas poderiam se beneficiar de seguros de vida e microsseguros endereçados para proteção de interesses individuais e de suas coletividades, com preços acessíveis. Ao proteger financeiramente essas populações, os seguros podem ajudar a preservar modos de vida tradicionais, culturas e conhecimentos ancestrais, que são parte essencial do patrimônio cultural do país.
Iniciativas para educar essas populações sobre a importância e os benefícios dos seguros, além de como acessá-los e utilizá-los adequadamente, seriam relevantes também, e poderiam estar embutidas de ensinamentos sobre educação ambiental e proteção da biodiversidade e dos recursos naturais na Amazônia. Além disso, a personalização ou customização dos seguros precisa levar em conta não apenas os riscos específicos enfrentados por essas populações, mas também as suas práticas culturais, econômicas e sociais.
Os seguros podem oferecer uma rede de segurança financeira em caso de desastres naturais, acidentes ou outros imprevistos, inclusive porque as populações na Amazônia frequentemente vivem em condições de vulnerabilidade, enfrentando riscos ambientais, sociais, climáticos e as consequências econômicas negativas da manifestação destes riscos.
Outra oportunidade para aplicação dos seguros sustentáveis está no contexto da concessão florestal de florestas públicas e sua gestão e manejo sustentáveis, cujas diretrizes estão na Lei n.º 11.284/2006 (BRASIL, 2006). A concessão florestal é a delegação onerosa, feita pelo poder concedente, do direito de praticar atividades de manejo florestal sustentável, de restauração florestal e de exploração de produtos e serviços em unidade de manejo, mediante um contrato de concessão, via licitação, à pessoa jurídica que atenda às exigências do respectivo edital de licitação e demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado (BRASIL, 2006).
Esta lei prevê que na elaboração do edital de licitação de uma concessão florestal estarão descritas, dentre outros pontos, as garantias financeiras e os seguros exigidos do concessionário para apresentar ao Poder Público. Um dos seguros previstos é o seguro de responsabilidade civil contra eventuais danos causados ao meio ambiente ou a terceiros como consequência da execução das operações relativas à prática de manejo florestal. Assim, a existência desta modalidade de seguro dentro de um contrato de concessão florestal para manejo sustentável de uma floresta pública nos revela o seu enquadramento no conceito do terceiro grupo de seguros sustentáveis.
Além desta modalidade de seguro, uma floresta pública pode estar sujeita a riscos como incêndio, secas, ventanias, dentre outros. Portanto, o seguro floresta poderia ser aplicado a este contexto também, ao ser adaptado do seu modelo atual específico para florestas plantadas comerciais, para um modelo inovador de seguro sustentável que proteja as florestas nativas na Amazônia que venham a ser objeto de concessão florestal sustentável sob as regras da Lei n.º 11.284/2006. O manejo sustentável destas florestas permite a retirada de madeiral legal de origem amazônica, sendo considerado um modelo de exploração racional e capaz de combater as práticas tradicionais de exploração irracional e predatória (RODRIGUES et al., 2020). A Lei n.º 11.284/2006 também prevê a destinação de florestas públicas para comunidades tradicionais gerenciarem, portanto, o seguro floresta e os microsseguros com atributos sustentáveis também podem ser relevantes para apoiar a gestão de riscos ambientais associadas a estes manejos sustentáveis por populações tradicionais.
5. Conclusão
Ao longo deste estudo, evidenciamos a importância dos seguros sustentáveis no contexto da proteção da Amazônia, um bioma vital que enfrenta múltiplos desafios ambientais, sociais e econômicos. Inicialmente, abordamos a definição de seguros sustentáveis e como eles se dividem em três grupos principais: subscrição com critérios ambientais, sociais e climáticos, seguros que oferecem coberturas específicas para riscos socioambientais, e seguros voltados exclusivamente para atividades produtivas sustentáveis.
O primeiro grupo de seguros, conforme destacado por Kousky (2022), inclui aqueles que utilizam critérios ambientais, sociais e climáticos no processo de subscrição. Este método é crucial para prevenir a comercialização e asseguração de atividades e produtos originados de áreas desmatadas ilegalmente, um problema significativo na Amazônia (MAPBIOMAS, 2024). A inclusão de tais critérios ajuda a mitigar riscos como os incêndios florestais, amplamente discutidos por Fearnside (2021), e promove a sustentabilidade em setores como a exploração madeireira.
O segundo grupo de seguros sustentáveis abrange aqueles que protegem patrimônios naturais e sociais contra riscos específicos, como secas e incêndios, proporcionando recursos para a restauração ambiental. A adaptação de seguros tradicionais de floresta para incluir florestas nativas pode representar um avanço significativo na proteção das unidades de conservação da Amazônia, contribuindo para a redução das emissões de gases de efeito estufa e a preservação da biodiversidade (FEARNSIDE, 2021).
Finalmente, o terceiro grupo é composto por seguros que suportam atividades produtivas sustentáveis, essenciais para a promoção da justiça social e conservação ambiental. As atividades como sistemas agroflorestais e manejo florestal comunitário podem ser impulsionadas por esses seguros, gerando renda e empregos locais enquanto preservam o meio ambiente (GOMES et al., 2012).
A integração do setor de seguros à agenda de proteção, conservação e preservação da Amazônia não só amplia as oportunidades de mercado, mas também fortalece o papel social, ambiental e climático das seguradoras. Ao alavancar o potencial quase ilimitado do mercado de seguros no Brasil, conforme mencionado por Polido (2014), e focar em iniciativas sustentáveis, o setor pode assumir um protagonismo significativo na promoção de práticas que beneficiem tanto a economia quanto o meio ambiente e a sociedade na oferta de proteção securitária para riscos ambientais, sociais e climáticos que colocam sob ameaça a Amazônia.
A floresta Amazônica oferece serviços ecossistêmicos vitais que beneficiam local, nacional e globalmente. A conservação da vegetação nativa é crucial para preservar a biodiversidade e o equilíbrio do ecossistema, impactando além das fronteiras regionais, sendo essencial para o bem-estar humano e a produção agrícola e energética. Além disso, florestas tropicais são vitais para a vida na Terra como um todo, abrigando diversas espécies, regulando ciclos hídricos, protegendo contra eventos extremos e armazenando carbono (CLIMATE POLICY INITIATIVE, 2021).
O diagnóstico preciso dos problemas e riscos existentes é essencial para qualquer avanço significativo, e conforme citado por Kousky (2022), investimentos em pesquisas estes riscos serão necessários e fundamentais para o setor de seguros sair da teoria para a prática em termos de ações de proteção da biodiversidade. Polido (2014) destaca a importância desse diagnóstico, e nós identificamos que, sem um enfrentamento objetivo desses desafios, o progresso em uma futura agenda sustentável do setor de seguros brasileiro para proteção da Amazônia será limitado. A formação de uma coalizão ou força-tarefa pelas seguradoras brasileiras para mapear e diagnosticar todos os riscos ambientais, sociais e climáticos na Amazônia é uma abordagem estratégica. Isso permitirá a criação de produtos e serviços de seguros que não só apoiarão o desenvolvimento sustentável da região, mas também fortalecerão a resiliência econômica, social, ambiental e climática.
Esta iniciativa pode posicionar as seguradoras como líderes na promoção da sustentabilidade e na proteção de um dos recursos naturais mais importantes do mundo. Becker (2005) registra, por exemplo, que existem três grandes áreas de recursos naturais no mundo moderno. As duas primeiras são a Antártida, controlada por várias potências mundiais; e os fundos marinhos, ricos em minerais e vegetação, que carecem de regulamentação legal. Já a terceira é a Amazônia, situada sob a soberania de diversos países, incluindo o Brasil.
Portanto, é urgente a organização do setor para investir em pesquisa e desenvolvimento e criar produtos e serviços de seguros sustentáveis para complementar as políticas públicas e demais estratégias privadas que já existem para proteção da Amazônia. Além dos tradicionais mecanismos de proteção da Amazônia como a atuação estratégica e coordenada por meio do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, políticas de comando e controle, a política de municípios prioritários, e o condicionamento da liberação de crédito rural à regularidade ambiental de imóveis rurais (CLIMATE POLICY INITIATIVE, 2021), os seguros sustentáveis possuem um papel fundamental a cumprir no combate ao desmatamento na Amazônia e à proteção da biodiversidade e das comunidades tradicionais da região. Ao incorporar práticas sustentáveis em seus processos e produtos, as seguradoras atendem às expectativas de reguladores (ex.: Resolução CNSP n° 473/2024) e consumidores, e se posicionam como agentes de mudança, capazes de catalisar a inovação e o desenvolvimento sustentável (STRICKER et al., 2022). A implementação de seguros sustentáveis pode, assim, tornar-se uma ferramenta poderosa para mitigar os riscos ambientais, sociais e climáticos e promover uma economia mais verde e resiliente.
REFERÊNCIAS
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Data de publicação: 04/01/2025.
Autor: Dr. Marco Parreira - Especialista em Seguros Ambientais, Eng. Ambiental, Advogado, Mestre em Sustentabilidade, Pós-graduado em Avaliação de Impactos Ambientais, Pós-graduado em Gestão e Tecnologias Ambientais, Pós-graduando em Direito Ambiental e Agrário; Responsável pela página @seguroambiental no Instagram.